Muita coisa aconteceu em 2018, não é? Vou te contar o que eu fiz no começo desse ano (ano que virou nossas vidas do avesso), e que mudou a minha percepção sobre criatividade de um jeito muito particular. Eu andava com vontade de estudar, de aprender (dar aula por muito tempo produz uma saudade louca de ser aluna), então fiz um curso com o Jum Nakao, e uau! Naquela altura eu queria produzir uma foto para falar da cor do ano da Pantone, Ultra Violet, e tava obcecada em fazer uma composição complementar, usando amarelo – essa cor que é zero minha zona de conforto
 
No curso devíamos levar nossos materiais e criar. Essas eram as instruções. Eu levei milhares de retalhos de tecido, papeis, lã desfiada, mil coisas, e não sabia exatamente o que ia sair dali. O Jum, depois de explicar a dinâmica de trabalho dele, que consiste em música instrumental, silêncio e foco, nos pediu para fazer esboços do projeto, cada um fazendo o seu. Acho que foram umas 2 horas para esboçar, até que não saia mais nada no papel. Ele então passou dando o feedback para cada projeto, trabalhávamos juntos em uma grande mesa, e pude ouvir os feedbacks que ele deu aos colegas. 
 
No geral o que eu aprendi nesse momento e só fui entender profundamente uns dias depois é o que eu chamei de partícula mínima de criação. Não sei se ele aprovaria esse termo, mas foi como eu consegui resumir a experiência do curso e que acho que faz sentido com o trabalho dele e de tantos outros artistas que admiro.

Trazendo pra um contexto mais geral: imagina que um governo só pode escolher uma coisa para dar atençao durante seu mandato. Seria a partícula mínima para garantir o bem do país inteiro. Qual seria? SAÚDE. Pois é. #impeachmentbolsonaro fecha parênteses.
 
Mas bem, a partícula mínima de criação é o que resume o conceito, é o mínimo necessário para transmitir uma ideia. É tirar todo o excesso e deixar a essência. Usar esse raciocínio deixa tudo mais elegante. O princípio é o mesmo da famosa frase atribuída à Coco Chanel: “Antes de sair de casa, se olhe no espelho e tire um acessório”, mas mais intenso.

Eu tinha as cores certas e queria usar tudo isso na roupa, na beleza, mas era ruído demais.
Retirar excessos para recolocá-los, modificados e imbuídos do seu conceito, nos lugares mais fortes.

Eu sempre gostei de maquiagens conceituais, artísticas, e quando eu comecei a maquiar eu me atraía por looks que tinham mil elementos, texturas, cores, formas. O mesmo acontecia com a decoração da minha casa (agradeço ao perrengue de quando me mudei pra São Paulo, que me impossibilitou comprar cadeiras medalhão para a sala de jantar!). Com o tempo vamos treinando o olhar, refinando as referências e notando a potência que uma menor quantidade de informação é capaz de gerar.
 
Veja, eu não tenho nada contra o excesso, às vezes precisamos dele, mas essa história da partícula mínima é importante para perceber o que é o real desejo por trás de uma criação. Depois de entendida essa base é possível acrescentar camadas. É um jeito de criar que funciona muito pra mim.

Eu adoro como tem muito e muito pouco aqui.
As duas imagens passam também sensações diferentes. qual você prefere?
Foto da minha amada Nina Jacobi, parceira de tantas aventuras!

Daí esse raciocínio me leva a esse outro que é: você consegue se sentir artista fazendo o mínimo? Eu sempre penso nisso quando tenho que fazer uma beleza minimalista. Porque quando a gente começa a maquiar quer logo usar 17 cores pra fazer um esfumado, mas normalmente nos pedem beges, marrons, preto, ou só um lápis bronze no canto externo – quando queremos mostrar nosso delineador triplo perfeito. Mas quando eu consigo também exercer a minha linguagem no mais básico dos veículos, eu me sinto bem pra c*****!
 
Outra coisa é: grandes marcas raramente vão pedir pra maquiadora fazer um olho verde e roxo, o que eles vão te pedir é para ser invisível! Consegue? Uma campanha de publicidade para um banco, ou uma marca de carro, mesmo campanhas de refrigerante ou cerveja, normalmente tem a famosa “make nada” ou a “make de bonita”, que é zero piração conceitual. Mas pra te contratarem precisam saber que você é capaz de executar qualquer coisa e que não vai querer aparecer mais que o produto. Eles precisam confiar que você vai exercer todo o seu talento pra fazer exatamente o que eles precisam.
 
Meu último trabalho no Brasil antes de me mudar pra Portugal foi com uma marca que adoro, admiro e me deu a honra de fazer a beleza da nova campanha. Pensa: a última campanha tinha 20 anos! A Anna Pegova é uma rede de lojas que tem produtos para a pele e tratamentos, a limpeza de pele deles é famosíssima e surpreendente, uma experiência surreal de deliciosa! 
 
E o que eu fiz de make nessa campanha? PELE. Só. E foi foda!!! Pra mim foi a consagração da maquiadora que eu sou, deixando a pele com textura de pele, com viço, com as correções necessárias e zero aspecto de produto. Obviamente uma boa maquiagem sem a luz e a lente certas não chega a lugar nenhum, mas o Chico Audi faz uma luz  p e r f e i t a, foi outra honra trabalhar com ele! 
 
Mas bem: a partícula mínima desse job era o belíssimo órgão que nos reveste e que é inspirador e potente por si só.

Jessica KiomiKeila Fogaça e Raquel Benetti, tive assistência da talentosa Jessica Figueiredo 🙂

Eu sei que pulei uma semana, não to fingindo de boba tá? hahaha Mas fica aí essa proposta de exercício: revisita algum trabalho seu ou de um/a artista que te inspira muito e tenta perceber qual é a partícula mínima ali, ela com certeza vai dizer muito sobre o artista ou sobre o processo da obra.

E para os trabalhos futuros lembra disso: dá pra reduzir elementos? Vai tirando até virar o conceitual mais puro e foda que você é capaz de criar!

Você não é menos artista porque usa poucos recursos. Na verdade, acredito que a capacidade de síntese e de impacto é o que define grandes artistas.

:*